Descoberta de vacina e remédio eficazes é desafio duplo na corrida contra a Covid-19

Foto: Nicolas Asfouri/AFP

A corrida pela cura da Covid-19, infecção provocada pelo novo coronavírus, é um dos mistérios que mais mobilizam cientistas e profissionais de saúde na linha de combate à pandemia. Da China aos Estados Unidos, passando por Europa e América Latina, universidades e instituições de pesquisa aceleram os estudos para a criação de uma vacina que proteja a população das implicações mais sérias da doença. Por outro lado, o comportamento do Sars-Cov-2 é ainda tão incerto que, como temos noticiado nos últimos meses, não há consenso sobre qual medicação é a mais eficaz.

O desafio é duplo: evitar a morte dos pacientes e, ao mesmo tempo, retardar a contaminação, que avança sem freios pelo País. E a criação de uma vacina será o marco para uma retomada, de fato, segura. O balanço mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado na última quarta-feira (27), contabiliza 125 estudos de vacina em desenvolvimento no mundo. Desse total, dez se encontram em fase clínica, com testes em humanos. A corrida nos laboratórios, que pode durar anos, não é à toa. Ser imunizado significa que o organismo tem os anticorpos necessários para neutralizar ou suavizar ao máximo os sintomas daquela infecção.

Já nas enfermarias e nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), o tempo corre diferente. A esta altura, você já deve estar cansado de ouvir  falar em cloroquina e hidroxicloroquina. Mas elas não são as únicas substâncias que têm sido analisadas ou, mesmo, utilizadas clinicamente. Annita, remdesivir e ivermectina também foram testados, mas sem eficácia comprovada para a Covid-19. Isso fora os remédios que já são aplicados nas diferentes etapas da doença: os analgésicos e os anticoagulantes.

São muitas as diferenças entre todos eles, e nós vamos explicar uma por uma. Porém, antes, é preciso repetir que não há uma resposta definitiva. O que se conhece hoje como prática clínica para combater a forma grave da infecção do coronavírus ataca as consequências geradas por ela, como a insuficiência respiratória e as tromboses, mas não a doença em si.

Essas são as duas frentes de combate que envolvem médicos e cientistas de todo o planeta. Enquanto a primeira se volta contra a virulência do parasita, anulando os danos causados por ele, a segunda procura reduzir a capacidade de replicação do vírus no corpo, acelerando o processo de cura. Até chegarmos à solução para esses desafios, o jeito será manter o distanciamento social.

“O que a gente tem comprovado, por experiência de outros países, é que a melhor forma de prevenir seria esperar o momento certo para o retorno das atividades. Realmente, é tentar resistir enquanto não temos uma medicação específica nem uma vacina eficaz”, reforça o infectologista Danylo Palmeira, médico dos hospitais das Clínicas (HCPE) e Oswaldo Cruz (Huoc).

Busca pela imunidade
Como falamos no início desta reportagem, uma das grandes corridas é para descobrir uma vacina que imunize a população contra o vírus. Atualmente, as pesquisas em fases mais adiantadas são feitas em universidades e farmacêuticas de países como Estados Unidos, China e Alemanha. No Brasil, há estudos sendo desenvolvidos na Fiocruz e na Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista à TV Globo na quinta-feira (28), o imunologista e professor da instituição, Jorge Kalil, disse que, nesta semana, começou a fazer os experimentos em animais. “Espero, daqui a um ano, testar em gente”, informou.

Aqui no Nordeste, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) também deu início a uma pesquisa para encontrar uma vacina. O projeto, ainda em fase de simulações no computador, é coordenado pela professora Joelma Souza, do Laboratório de Imunologia do Centro de Ciências da Saúde.

“Nós procuramos identificar, por meio de métodos computacionais avançados, sequências do material genético do novo coronavírus que possam induzir uma resposta protetora”, explica. “Para que o nosso organismo desenvolva uma resposta imunológica, existem células, os linfócitos, que reconhecem regiões das proteínas do vírus e desenvolvem uma resposta. Estamos vendo várias sequências para usar como princípio vacinal”.

A substância formulada com a ajuda do computador será aplicada em animais como camundongos, galinhas e macacos. Caso a resposta imunológica se confirme nessas espécies, começam os testes em humanos, divididos em quatro fases.

“Primeiro, você utiliza indivíduos saudáveis para ver se aquele composto é seguro ou tem toxicidade. Na fase 2, você aplica no público-alvo para ver se tem eficácia. Nas fases 3 e 4, vai aumentando o número de pessoas”, diz a pesquisadora. São muitas as etapas, que envolvem testes e observações. Por isso, o processo de produção de uma vacina, em geral, é demorado. “Isso depende muito dos resultados que a gente vai obter. Se o animal não responder como eu gostaria e não desenvolver o anticorpo protetor, eu vou ter que trabalhar com uma nova simulação”, argumenta.

Seja qual for a primeira vacina descoberta, ela não será necessariamente a ideal para a população brasileira, já que a imunização leva em conta fatores genéticos. “Uma das células que a gente tem do sistema imunológico depende muito da genética do indivíduo. É possível que a gente tenha diferentes vacinas que consigam abarcar a grande para a maior parte da população ou sejam direcionadas para uma dada população. Todo o mundo está buscando uma vacina que seja para a grande maioria, mas não impede que seja direcionada para um público específico”, ressalta a professora Joelma Souza.

O impasse das medicações
Utilizadas contra a malária, lúpus e outras doenças, a cloroquina e a hidroxicloroquina são testadas desde o início da pandemia. Apesar dos relatos de pacientes curados que dizem ter tomado a medicação, não há garantia de que ela foi a responsável pela melhora. Além disso, sabe-se que a droga pode provocar, entre os efeitos colaterais, arritmia cardíaca.

“Na minha experiência prática, [a prescrição da cloroquina] não mudou o desfecho. Nem melhorou nem piorou”, conta o médico Danylo Palmeira, que foi infectado pelo novo coronavírus e concluiu o tratamento esta semana. Ele não tomou o remédio. “O grande fator que vai orientar a utilização não é a possibilidade de ter efeito adverso. Por exemplo, paciente que tem câncer. Eu uso drogas altamente tóxicas, mas eu tenho comprovado o benefício dela [contra a doença]. Já no caso da cloroquina com a Covid, é como se eu estivesse pagando o risco de um efeito adverso, sem ter ganho garantido”.

Essa é uma das conclusões do estudo publicado na semana passada na revista britânica The Lancet. Ao observar cerca de 96 mil casos em mais de 650 hospitais, o ensaio indica que o uso dos medicamentos pode estar associado ao aumento do risco de morte por problemas cardíacos a partir da arritmia provocada pela substância. Na última segunda-feira, a OMS solicitou a suspensão de uma das pesquisas que compõe o estudo internacional Solidarity e fazia testes com a cloroquina. Os outros braços do projeto continuam sendo executados, com análises de outros remédios. No mesmo dia, a Prefeitura do Recife decidiu retirar a medicação do protocolo das unidades municipais.

“Nunca usei nos meus pacientes e jamais autorizaria alguém a usar em mim ou usaria espontaneamente”, afirma a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Assim como o colega Danylo Palmeira, a médica contraiu a Covid-19 e se tratou em casa.

Para os pacientes em quadro grave, segundo ela, um dos tratamentos aplicados no Brasil é a transfusão de plasma, componente do sangue onde ficam os leucócitos, células que atuam no sistema de defesa do corpo. “Por exemplo, eu estou ficando curada, já fiz meu exame sorológico, tenho muitos anticorpos e posso doar o meu plasma”, detalha. Esses procedimentos, porém, trazem riscos. “Sempre que eu transfiro plasma de um paciente para outro, vêm moléculas que estimulam o sistema imunológico e pode haver algumas reações, mas alguns ensaios clínicos mostram benefícios”, pondera o médico Danylo Palmeira.

Já para os que pegam a forma leve ou moderada, a recomendação é repouso e uso de analgésicos para a febre e as dores no corpo. Os anticoagulantes também são indicados para prevenir as tromboses causadas pelo processo inflamatório do organismo contra a infecção. “A doença é muito trombogênica, então ela exige que se use em qualquer estágio. E vou ficar tomando o anticoagulante por um tempo para evitar as sequelas”, diz a pneumologista Margareth Dalcolmo.

Entre os remédios que têm apresentado algum resultado positivo em ensaios clínicos, está o remdesivir. Pelos estudos preliminares, a droga, que ainda é testada em laboratório e não está disponível nas farmácias, atuaria na fase inicial da infecção. “Ele é um antiviral de ação direta, consegue inibir a replicação do vírus. O grande problema é que não sabemos ainda quais os pacientes que vão evoluir para a forma grave. Identificando quem tem fator de risco, podemos usar uma droga para inibir isso. São muitas variáveis”, esclarece o infectologista Danylo Palmeira.

Também há estudos envolvendo os antiparasitários Annita e Ivermectina, aplicado para invasores como o piolho. No caso deste último remédio, testes in vitro mostram que a substância até inibe o coronavírus, mas não se sabe se a dose recomendada para o corpo é suficiente para combater a ação do agente infeccioso.

Fonte: Artur Ferraz / Folhape

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